CAPÍTULO 03
UMA NOVELA DE: DANIEL GAVIRIA
TRADUÇÃO: JOÃO PAULO RITTER
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01 INT. FUNERÁRIA MEMÓRIAS ETERNAS – DIA
Abre mostrando o relógio da funerária, são cinco da tarde.
Verônica chega com pressa, desorientada procura pela a sala onde Paula estaria a esperando.
Verônica encontra uma mulher sentada em uma sala, veste roupas totalmente escuras e centro uma urna de cinza, flores de todas as cores ao redor.
A garota se joga no chão impactada, coloca sua mão sobre sua boca, sem fôlego tenta se arrastar cheia de lágrimas.
VERÔNICA: Papai…
Verônica finalmente chega ao altar da urna e solta um grito de dor e desespero.
Verônica se aproxima de Paula que está com o rosto inchado de choro, mas ela sente mais pelo dinheiro do que pelo marido.
VERÔNICA: Como isso aconteceu de repente? Por que eu não sabia de nada? Por que não me ligaram mais cedo?
PAULA: Eu sinto muito, Verônica. Meu mundo também caiu.
VERÔNICA: Não, isso não pode estar certo. Ele não pode estar morto, o que essa urna faz aí? Pode não ser ele…
PAULA: É ele. São suas cinzas, eu mesma me encarreguei para ser um trabalho rápido porque seu pai estava desfigurado.
Nesse momento a raiva sobe dentro de Verônica.
VERÔNICA (GRITA E CHORA): O QUÊ? COMO PODE TER FEITO ISSO? Mateo e eu tínhamos o direito de vê-lo, de nos despedir!
PAULA: Acredito que seu pai não gostaria de ser recordado pela maneira que estava. Fiz o certo, Verônica. Eu não consegui entrar em contato com você o dia todo, estava sumida. Como queria que eu te contasse?
Verônica fica em silêncio, pois lembrou que ficou o dia todo atrás de Andrés para recuperar sua mala e preparar o aniversário do pai.
Verônica olha para urna novamente.
VERÔNICA: E se não for ele? O rosto estava desfigurado, talvez isso tenha impedido de reconhecer…
Paula suspira.
PAULA: Eu mesma vi o corpo, Verônica. Carregava os pertences dele, o relógio e a nossa aliança de casamento.
VERÔNICA: Não! Não pode me deixar, papai!
Em Verônica chorando, abraçada na fotografia do pai.
Paula se aproxima com um lenço com alguns objetos enrolados.
PAULA: Aqui estão os pertences dele.
Verônica solta a fotografia e agarra o lenço com todos os objetos dentro dele.
02 EXT. FUNERÁRIA MEMÓRIAS ETERNAS – FACHADAS – DIA
Surge Paula vestida toda de preto e conversando ao telefone.
PAULA: Então, entregou todos os documentos? Quando poderei receber o dinheiro?
Em Paula esperando a resposta.
03 INT. MANSÃO BELTRÃO – QUARTO DE MATEO – DIA
Mateo se encontra sentado em sua cama, tentando montar um cube mágico. De costas para a porta.
Verônica entra, com os olhos ainda avermelhados do choro, se aproxima. Senta atrás do irmão, pousa sua cabeça em suas costas.
Em Verônica catatônica.
04 INT. CAFETERIA – DIA
Andrés está sentado a mesma mesa que Verônica sentou no capítulo anterior. Olha ansioso para seu relógio.
ANDRÉS: Será que ela está se vingando?
VICTÓRIA: Você vai para casa!
Andrés olha para o lado.
VICTÓRIA: Finalmente te encontrei, miserável!
Andrés fica surpreso, levanta.
ANDRÉS: Vovó! O que está fazendo aqui?
Andrés abraça Victória, atuando.
ANDRÉS: Hoje mesmo pensei em voltar para casa.
Victória sorri.
VICTÓRIA: Tenho meus contatos.
Em Victória.
05 INT. MANSÃO CASTILHO DE LEÓN – SALA DE ESTAR – DIA
Abre mostrando a fachada.
Na sala vemos: Andrés, Victória, Margaret e Nicole.
ANDRÉS: Deixar meus estudos em Sidney!? Não, vovó!
VICTÓRIA: Andrés, você sabe o que a empresa significa para sua mim, não sabe? Me casei aos 16 anos…
NICOLE: Você teve que viver sua vida sozinha porque o vovô morreu. Cuidou do bebê recém-nascido sozinha, você passou muitos dias sem comer para poder sustentar seu filho. Trabalhou tanto que conseguiu sobreviver e abrir um restaurante que se tornou uma ótima franquia. Este último com a ajuda do seu filho, ou seja, meu pai. Até… (Cabisbaixa) Ele também morreu. O fato é que hoje a empresa é um grande sucesso.
VICTÓRIA: Sim, é verdade. Meu filho trabalhou comigo para levar nossa empresa adiante. Gael… Ah, Gael deixou esse mundo aos 37 anos e seu único desejo era que-
ANDRÉS: Isso é patético!
VICTÓRIA: A última vontade de seu pai era que você assumisse os negócios quando eu ficasse velha. Não tenho mais as mesmas forças de antes…
ANDRÉS: Eu não quero isso, tenho outros planos.
VICTÓRIA: Bom, você terá que assumir a empresa se quiser continuar vivendo com meu dinheiro.
Andrés, irritado, levanta do sofá e sobe as escadas correndo para se trancar em seu quarto.
06 EXT. FUNERÁRIA MEMÓRIAS ETERNAS – DIA
Por volta das cinco horas da tarde, Verônica e Mateo, vestindo roupas pretas em honra ao luto que sentem, saem com todos da funerária. Os irmãos carregam uma foto de Gabriel emoldurada em uma coroa de flores.
Enquanto escuta a triste melodia fúnebre, Verônica caminha com um olhar perdido, diferente de Mateo que se encontra ansioso e olhando para todos os lados. Paula e Daniela estão logo atrás.
Começa a chuviscar.
Os organizadores do funeral entram na traseira do caminhão da empresa junto com os arranjos de flores.
Verônica tenta colocar Mateo dentro do carro, mas o rapaz está muito nervoso com tudo que está acontecendo e tenta se soltar dos braços da irmã.
VERÔNICA: Vamos Mateo, você tem que entrar! O papai se foi, temos que nos despedir…
Não muito longe, Daniela observa a cena com pena, diferente de Paula que mantém sua postura séria e fria.
07 EXT. CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ – DIA
O céu está parcialmente nublado, uma garoa com gotas grossas caí insacavelmente.
A urna com as cinzas de Gabriel está enterrada no solo ao lado de uma placa de memória. Se encontram ali apenas Paula, Daniela, Verônica, Mateo e Valéria. Não há mais nenhum familiar ou amigo do falecido.
Verônica entrega seu guarda-chuva para Valéria segurar e não deixar Mateo se molhar, então, a garota caí de joelhos no chão aos prantos em frente ao túmulo do pai se sujando com a terra.
A câmera se afasta, nos dando uma visão aérea da cena. Uma frase surge na tela:
“Quando uma perda de repente nos sacode, o coração dói e pensa que vai morrer. Então, para continuar, ele procura uma maneira de mitigar seu sofrimento, proteger-se, esconder-se, tornar-se duro”– Jorge Bucay.
A frase desaparece como se fosse soprada.
FADE PARA:
08 EXT. RESTAURANTE BON APETIT – DIA
Um carro estaciona em frente ao restaurante, dele saí Andrés observando a fachada com indignação.
Respira fundo, então, decide entrar.
09 INT. RESTAURANTE BON APETIT – SALÃO – DIA
Quando os funcionários do restaurante veem Andrés se aproximar, baixam sua cabeça.
Andrés se encontra com o Gerente Martinez.
MARTINEZ: Está atrasado meu jovem, o horário de entrada é às 9 horas.
Em Andrés.
10 INT. RESTAURANTE BON APETIT – ESCRITÓRIO – DIA
Andrés e Martinez estão no escritório, de frente para os outros funcionários, está acontecendo as apresentações oficiais.
MARTINEZ: Por mais que ele seja neto da presidenta, está no mesmo nível profissional que nós. Entenderam? Ordens da Dona Victória…
Todos concordam com a cabeça.
MARTINEZ: Agora podem voltar ao trabalho.
Os funcionários deixam o escritório.
Martinez pega um conjunto de uniforme e entrega a Andrés.
MARTINEZ: Este é o seu uniforme. Se troque rápido.
Martinez deixa o local.
Andrés lê seu crachá.
ANDRÉS: Subgerente Andrés Castilho de León…
Rindo, ele deixa o uniforme de lado.
11 INT. MANSÃO BELTRÃO – QUARTO DE VERÔNICA – DIA
Daniela entra no quarto, carrega uma bandeja cheia de comida.
Verônica se encontra deitada na cama, olhos abertos, mas não se mexe.
DANIELA: Trouxe para você…
Daniela deixa a bandeja ao lado da cama.
DANIELA: Tem que comer e ficar forte, papai gostaria disso.
Verônica abraça o cobertor com tristeza.
12 INT. ESCRITÓRIO DA SEGURADORA – DIA
Paula está sendo atendida por um funcionário, um homem elegante, em um escritório da seguradora. Ela entrega os documentos para o homem verificar.
PAULA: Está tudo aí, inclusive a certidão de óbito.
O homem revisa os documentos com atenção, em seguida lança as informações no computador.
Paula assistindo.
13 INT. MANSÃO BELTRÃO – ENTRADA – DIA
Alguns sujeitos uniformizados estão colocando etiquetas vermelhas em coisas da casa, móveis, eletrodomésticos e nos objetos de decoração.
Mexidas, Verônica e Daniela assistem tudo aquilo no momento em que Paula entra em cena, surpresa com o que vê.
PAULA: Mas o que está acontecendo aqui?
Um homem se aproxima.
HOMEM: Entreguei a carta de notificação a sua filha, o Senhor Gabriela havia hipotecado a casa.
Paula fica surpresa.
HOMEM: A casa e alguns pertences, mas ainda existem mais denúncias no nome dele. Vocês possuem mais dívidas a serem pagas.
DANIELA: Mamãe, o que vamos fazer?
Paula observa tudo ao seu redor e nesse instante, todos escutam um bater forte contra a porta da frente.
14 INT. MANSÃO BELTRÃO – ESCRITÓRIO – DIA
Paula, Daniela e Verônica se encontram de frente para dez pessoas que estão cobrando as dívidas deixadas por Gabriel.
PAULA: Como eu já disse, não sabíamos disso tudo. Acabei de perder minha casa porque estava hipotecada e Gabriel nunca nos contou. Ele tem dívidas com vocês e também não sabia disso, mas todos nossos cartões de crédito já forma bloqueados pelo banco.
MULHER (IRRITADA): Isso não importa para nós! Queremos nosso dinheiro!
HOMEM 2: A família é que deve responder por essas dívidas.
PAULA: Mas não temos nada! Gabriel não nos deixou herança, nos deixou poeiras e problemas!
Paula suspira, dá as costas e quando retorna está segurando uma caixa.
Abre a caixa, vemos joias valiosas.
PAULA: Isso é tudo o que tenho, podem vendê-las. São joias caras…
Deixa a caixa em cima de uma mesinha.
Nessa mesma mesinha, coloca um cheque.
PAULA: E esse dinheiro é meu… Há apenas, não sei… Talvez duzentos ou cem dólares. Não temos mais do que isso, até mesmo o carro está hipotecado pelo banco.
Paula baixa a cabeça, envergonhada.
Os cobradores trocam olhares de fúria.
15 INT. MANSÃO BELTRÃO – QUARTO DE VERÔNICA – DIA
Verônica entra em seu quarto, tranca a porta. Põe sua mão na frente de sua boca e lentamente caí no chão, se desfazendo em lágrimas.
VERÔNICA: Papai, por que nunca me contou nada? Poderíamos encontrar uma solução juntos…
MATEO (VOZ): O piano, tenho que tocar o piano!
Verônica fica alarada, enxuga suas lágrimas e sai com pressa do seu quarto.
16 INT. MANSÃO BELTRÃO – SALA DE ESTAR – DIA
Paula está sentada, bebendo um copo de licor.
Mateo bate na porta da sala em que o piano ficava, desesperado, Daniela tenta acalmá-lo.
Verônica entra em cena, observa.
MATEO: Irmã… Piano! Abre a porta!
VERÔNICA (para PAULA): Por que a porta está fechada?
PAULA: Eu tive que fazer, o piano também está na hipoteca. Mateo nunca mais vai tocá-lo.
VERÔNICA: Mas ele poderia continuar tocando enquanto não mudamos de casa, ainda não levaram o piano.
PAULA: Você quer dar uma chance para essa criança remover o adesivo de confiscado para ganharmos um processo ainda por cima.
Paula levanta.
PAULA: Vamos aproveitar esse momento para conversar. Daniela, leve Mateo para o quarto.
Em Paula.
17 INT. MANSÃO BELTRÃO – ESCRITÓRIO – DIA
Paula e Verônica estão sentadas a mesa do escritório, a primeira na cadeira principal.
PAULA: Nós duas estamos cansadas dessa situação horrível em que seu pai nos deixou. O que pretende fazer? Os credores pediram para deixarmos a casa amanhã.
VERÔNICA: Não sei, mãe. Não pensei no que fazer, apenas em enterrar meu pai.
PAULA: Vejamos, Verônica, você passou a noite inteirinha trancada em seu quarto. Não chegou a pensar se tem para onde ir com seu irmão?
Verônica fica surpresa com aquela pergunta.
PAULA: Pensou que vocês iriam vir comigo? Pensou?
Verônica franze sua testa, ainda sem acreditar.
VERÔNICA: Eu… Vou encontrar um lugar para morar… Nesse caso, por enquanto, você pode cuidar do Mateo? Nessas condições não tem como ele vir comigo, estou sem dinheiro por um mês…
Paula levanta, passa por Verônica. Abre a porta e saí.
Verônica segue a madrasta.
18 INT. MANSÃO BELTRÃO – SALA DE ESTAR – DIA
Paula e Verônica. Daniela escuta tudo escondida.
PAULA: Apenas tenho dinheiro para alugar um pequeno quarto para mim e Daniela. Certamente teremos que pedir esmolas por culpa do seu pai e ainda pretende que cuidemos do seu irmão? Não sou obrigada a cuidar dele.
VERÔNICA: Como pode dizer isso, pensei que fossemos uma família.
Paula caminha lentamente até o quadro da família, fica o observando.
PAULA: Sabe o que é família? Uma família permanece unida mesmo quando não há empatia entre eles, acha que eramos assim, querida?
Verônica olha para o quadro.
PAULA: Estudando longe… Como é fácil proclamar um lugar que não lhe pertence… Seu pai destruiu a minha vida.
VERÔNICA: BASTA! Não me diga mais nada, vou embora ainda hoje! Você é um monstro!
PAULA: Tem coragem de me chamar de monstro quando seu pai, ao morrer, me fez me sentir envergonhada e humilhada! Não nos deixou nenhum centavo!
VERÔNICA: Com isso você só demonstra que que a única coisa que te importa é o dinheiro! E tem mais uma coisa, onde está o seguro? Todos deixam um quando morrem.
Paula fica nervosa.
PAULA: Seguro de vida? Não tem… Pode ir a seguradora conferir, a única coisa que cobriu foi o funeral.
VERÔNICA: Vai me dizer que não roubou do meu pai às escondidas?
PAULA: Tem coragem de me chamar de ladra na minha cara? Vivendo e estudando no exterior… Seu pai sempre ocupado e eu tendo que cuidar de tudo, inclusive cuidar do doente do seu irmão!
VERÔNICA: ELE NÃO É DOENTE!
PAULA: Ele é porque não serve para nada!
Verônica acerta uma bofetada em Paula.
VERÔNICA: A única doente aqui é você! Doente por dinheiro, de ambição!
PAULA: Vá embora daqui agora! Não vou permitir que me falte com respeito, é isso que chama de família?
Verônica encara a madrasta, indgnada.
19 INT. MANSÃO BELTRÃO – SUÍTE PRINCIPAL – DIA
Paula está organizando algumas coisas na mesa de cabideira.
Daniela entra.
DANIELA: Escutei tudo. Por que fez isso? Eles não tem onde ficar.
PAULA: E queria que eu fizesse o quê? Viveríamos todos num quartinho? Quer que eu trabalhe para sustentar eles?
DANIELA: Não acredito que seria dessa forma?
PAULA: Ah não? Não quer se casar com o Andrés?
DANIELA: E o que isso tem haver?
PAULA: Pensa que ele vai querer se casar com uma garota que não tem pai e que cuida de um menino autista? Pense na Dona Victória e em Margaret, acha que elas vão querer que um menino rico como ele se case com uma morte de fome como você?
Daniela reage com desprezo.
PAULA: As coisas não são assim.
DANIELA: Estou casada de mentir. Ele não conheceu o papai e nem chegou a saber que se chamava Gabriel Beltrão. Sempre tentei me esquivar quando pedia para o conhecer.
PAULA: E vai continuar fazendo isso. Diga que seu pai viaja muito, pois assim vai nos poupar de sentir vergonha daquele autista. Não banque a boa samaritana quando não sabe como é a vida.
Paula passa por Daniela, deixa o quarto.
20 INT. MANSÃO BELTRÃO – SALA DE ESTAR – DIA
Paula encontra Verônica e Mateo.
Verônica está levando duas malas grandes e uma mochila. Daniela os observa de longe.
VERÔNICA: Lamento por incomodar, Mateo diga tchau.
MATEO (sorri): Mãe, eu volto.
Daniela leva sua mão até a boca, comovida. Paula entrega algumas notas para Verônica.
PAULA: Não é muito, mas poderão sobreviver alguns dias com esse dinheiro.
Verônica não pega.
PAULA: Pensa no seu irmão.
Verônica baixa a cabeça, envergonhada e humilhada, pega o dinheiro.
21 EXT. TÁXI – DIA
Verônica entra no banco do passageiro com seu irmão.
O Taxista olha para trás.
TAXISTA: Para onde, senhora?
VERÔNICA: Qualquer hotel que conheça… Desde que seja limpo e barato…
Em Verônica.
FADE OUT.
FIM DO CAPÍTULO.