CAPÍTULO 03 – Responsabilidades

UMA HISTÓRIA DE:
João Paulo Ritter

+12

A semana de Miguel estava sendo bem comum, mesmo depois de ter ganho novas e extraordinárias habilidades graças ao cristal. Queria ficar longe dessa história de super-herói, mesmo com Daniela e Leandro falando que ter esses poderes e não fazer nada para ajudar a sociedade seria o mesmo que ver presenciar um crime e ficar de boca fechada. Ele queria poder ajudar, mas a sua principal responsabilidade era para com sua mãe, sua prioridade é ajudar em casa. Essa semana também era uma data especial para ele, seria o aniversário do seu pai, tanto de nascimento quanto de falecimento. Não gostava muito de falar sobre isso, o homem deixou mulher e filho durante um trágico acidente de trabalho em uma construção. Seu pai sempre gostou de incentivar o seu lado apaixonado por ciência, em seu aniversário de cinco anos ganhou um daqueles kit de ciências para crianças, ainda o mantêm guardado em seu armário como uma lembrança dos dias antes da sua vida se tornar mais difícil.

A chuva continua caindo lá fora e por isso que a educação física dos meninos foi transferida para dentro de uma sala de aula. Miguel está sentado sozinho em uma classe, observando as gotas batendo forte contra o vidro da janela. Será que a sua mãe tinha lembrado de pegar o guarda-chuva antes de sair de casa? Esperava que sim.

De repente Leandro jogou sobre a mesa da classe uma pulseira de tecido com a seguinte sigla costurada, “OQSHF?”, confuso, Miguel lançou um olhar curioso para o seu amigo japonês.

— Significa “O que o Super-Homem faria?”. — Explicou Leandro sorrindo. — Já tem um tempo que comprei isso em uma banca de revistas, pensei que poderia te ajudar com o lance de ser herói. Sabe, Peter Parker tem o Homem de Ferro… Você poderia ter o Super-Homem de forma indireta.

— Eu já dei minha resposta sobre isso e o Super-Homem não existe. — Miguel disse já cansado.

— Você conhece aquele ditado “Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”? Eu posso estar citando o Homem-Aranha? Sim, mas não faz essa frase menos verdadeira. Pensa bem, Miguel. — Leandro deu de costas e voltou para a mesa em que estava antes, jogando Uno com um quarteto de garotos.

Miguel ficou observando aquela pulseira.

Voltando para casa, segurando um grande guarda-chuva para se proteger das grossas gotas de água que caíam desde o início da semana, Miguel recebeu uma ligação de sua mãe, mas a voz que estava do outro lado da linha não era dela. A estranha voz feminina se apresentou como uma enfermeira e falou que sua mãe, Maria, tinha se machucando durante um assalto. O coração do garoto parecia que estava sendo esmagado por uma mão gigantesca de tanta agonia que sentiu. A matriarca se encontrava no Pronto Socorro, mas não tinha acontecido nada de muito grave. Depois de pegar o endereço do local, o rapaz pegou um ônibus que passava lá por perto.

Quando chegou ao Pronto Socorro, procurou pela sua mãe na sala de espera que se encontrava cheia de homens, mulheres e crianças de colo esperando para serem atendidas. Quando virou para a sua direita, viu sua mãe, com uns papéis, saindo do corredor que levava as salas de exames com o auxílio de uma enfermeira, sua perna estava enfaixada. Ele soltou sua respiração, ficou mais aliviado depois vê-la em carne e osso.

— Mãe. — Sussurrou Miguel se aproximando. — O que aconteceu?

— Eu fui assaltada quando deixava uma casa, mas não foi nada demais guri…. Logo mais eu estou pronta para voltar a trabalhar. — Sorriu Maria.

A enfermeira voltou para dentro.

— A senhora tem que descansar, vamos para casa.

— Eu vou de táxi, você precisa passar em uma farmácia e comprar esse remédio para dor. — A mais velha entregou a receita para o filho junto com o cartão de crédito.

— Tem dinheiro para voltar de táxi? — Perguntou o filho.

— Sim, eu tenho, só preciso que me ajude a andar até um.

— Claro, claro. Vem… — Maria se apoiou no corpo do filho e ambos deixaram o Pronto Socorro.

Já de noite, depois da sua mãe tomar eu remédio e dormir. Miguel ficou na sala de estar, pensando sobre a história de ser um super-herói, de ganhar essas habilidades ser coisa do seu destino e outros assuntos parecidos. Começou a pensar no assalto do qual sua mãe foi vítima, gostaria de alguém ter a salvado do criminoso. Ficou sabendo de histórias de pessoas que estavam fazendo coisas extraordinárias mais para cima no mapa, como um estranho ser que salvou de forma bruta um caminhoneiro de um saque, porque não tinha ninguém para cuidar disso em sua cidade… Talvez tenha alguém para esse serviço.

Miguel foi até o seu quarto e pegou o cristal roxo que estava escondido em sua gaveta, segurou forte em seu punho e em seguida abriu o seu armário. Tirou uma calça jeans e uma camisa de mangas longas, as duas na cor negra, depois uma touca azul-escuro. Na touca ele fez furos para seus olhos, nariz e boca. Já vestido com as peças de roupas escolhidas, Miguel subiu no teto de sua casa e olhou para a pulseira que Leandro lhe deu, mas invés de pensar “O que o Super-Homem faria?”, ele pensou “O que meu pai faria?”.

Segurou com força o cristal extraterrestre, da mesma forma que fez com que suas asas sumissem, iria fazê-las retornarem. Fechou seus olhos e mentalizou a imagem do par de conjunto de penas negras se abrindo para o voo com maestria e tudo ficando simples ao mesmo tempo em que seu corpo se tornava leve. Quando abriu seus olhos já se encontrava no céu da noite, guardou a pedra em sou bolso e saiu voando pela grande Porto Alegre.

Saindo de uma boate LGBT, duas garotas deram suas mãos para atravessarem a rua estavam a espera de um carro que chamaram por um aplicativo de carona. Uma era alta de longos cabelos negros e outra mais baixa, com um corte curto e mexas verdes nas pontas. Ainda estavam de mãos dadas quando um grupo de quatro homens, que deveriam ter mais de 25 anos a maioria, apareceu das sombras, lançando xingamentos homofóbicos em direção as garotas que decidiram não darem importância. Então um dos homens, que pareceu ser o líder do bando tirou do seu bolso um canivete, empurrou a garota mais baixa para cima da alta, fazendo com que as duas caíssem no chão e anunciou um assalto enquanto os outros continuavam a soltar xingamentos de teor preconceituoso.

De última hora, só como um super-herói faria, Miguel apareceu por trás do quarteto e levou o homem que anunciou o assalto para o alto, deu um giro no ar e retornou com toda a velocidade que conseguia para os três que ficaram no chão, ele jogou o líder sobre os outros, assim os quatro caíram jogados no chão da calçada. Pousou na frente das moças que saíram correndo quando tiveram a chance. Assim que levantaram do chão, os bandidos, foram para cima de Miguel que por sorte conseguiu acertar um chute bem no estômago de um dos criminosos, mas acabou tendo que se defender dos vários socos e ponta pés que os outros começaram a distribuir pelo seu corpo. Deixou seus braços cruzados em um “X” e ficou acocado para se defender daqueles golpes, não os sentia muito, mas era incomodo. Sentiu um calor crescer em suas mãos, aumentava conforme sua raiva crescia, quando conseguiu olhar de relance para suas mãos, viu que uma energia roxa estava surgindo ao redor delas.

Miguel esbravejou um grito e abriu suas asas com força, soltando dois dos três bandidos para longe, em seguida acertou um soco, com seu punho tomado pela energia que havia surgido, no peitoral do ladrão que se encontrava na sua frente, isso fez com que ele caísse sem consciência no chão. Os outros três saíram correndo, Miguel se aproximou do único com quem havia conseguido fazer alguma coisa e o agarrou pelo cinto de sua calça, levou para o alto. Acabou deixando o criminoso desacordado ao lado de uma delegacia, não sabia se ele tinha ficha ou se estava sendo procurado, mas tentaria a sorte.

Miguel voltou para o céu da noite, ficou observando a cidade dali. Estava começando a repensar a história de se tornar um super-herói, sentiu uma boa sensação de adrenalina, além de sentir útil de várias formas por ter ajudado aquelas garotas na saída da boate. Ele só precisaria de um nome de herói, mas sabia quais eram as pessoas que o ajudariam a fazer isso.

— Então você vai mesmo ser um super-herói? — Perguntou Leandro animado.

Miguel respondeu com um movimento de cabeça. Ele havia reunido seus amigos em sua sala de estar, aproveitou que a sua mãe ainda estava dormindo por causa do remédio para a dor que ela estava tomando desde que se machucou dois dias atrás.

— Você precisa de um nome e também de um traje, não concorda? — Perguntou Daniela em pé ao lado do jovem japonês. — Trilegal.

— Foi exatamente por este motivo que chamei vocês aqui! — Disse Miguel animado. — Quero que me ajudem com esses detalhes. É meio por influência de vocês que vou fazer isso, além de outros motivos dos quais eu não quero falar…

Leandro e Dani trocaram olhares confusos, mas deixaram passar.

— Eu posso ajudar com o seu traje. Eu sou muito bom em costura para cosplay, garanto que conseguiria fazer um uniforme de super-herói supimpa! — Disse Leandro animado com aquilo.

— E o teu nome? Como poderíamos chamá-lo? — A garota negra disse em um tom pensativo.

— Anjo Negro? — Perguntou Miguel parecendo gostar do nome que pensou.

— Não, não… — Daniela negou balançando suas mãos. — Você é branco, as pessoas podem se ofender com isso, não seria legal. Vamos continuar pensando.

— Anjo Noturno! — Soltou Leandro.

— Gostei… De onde tirou esse nome? — Daniela perguntou.

Leandro deu de ombros e respondeu:

— Eu estava pensando em Asa Noturna…

A garota revirou seus olhos, mas Miguel não pereceu se importar com esse detalhe.

— Tudo bem, tudo bem. — O rapaz de asas negras disse. — Eu gostei do nome, vou ficar com ele. — Sorriu. — Anjo Noturno… — Sussurrou.

— E como você vai fazer esse lance? — Daniela quis saber.

— Ah… — Começou Miguel. — Depois da escola, eu vou sair pela cidade procurando crimes para serem resolvidos. Só se vocês souberem hackear o rádio da polícia para que eu fique sabendo dos crimes e corra, não, voe até lá. — Riu animado com aquela ideia.

— Por favor. — Disse Dani rindo. — Leandro mal sabe administrar um grupo de WhatsApp e a única coisa que eu sei fazer de “hacker” é crackear jogo pirata que baixo por torrent.

— Então está decidido, todos os dias, depois da escola, eu vou sair por Porto Alegre, cuidando da minha cidade… — Miguel já podia imaginar como seriam os seus dias e isso o levou a outro pensamento, ele teria que treinar mais as suas habilidades, descobrir mais sobre si mesmo.

— Essa história ficou um pouco Homem-Aranha, não acha? — Leandro perguntou sussurrando para a garota que estava ao seu lado. — Agora só falta ele arrumar um emprego em um jornal da cidade. Daniela apenas soltou uma risada baixa para não atrapalhar a visão que Miguel estava tendo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima