A Intrusa | Capítulo XX
– Feliciano! diga à sra d. Alice que eu desejo falar-lhe…– Ela está na sala de jantar, com d. Maria da Glória…– Bem, então não a incomode; eu vou lá.O barão sumira-se atrás do genro, pela escada acima, e o padre Assunção seguiu pelo corredor. Glória enfeitava uma cesta de flores e frutas, dirigida pela governanta. Era para o centro da mesa do almoço. Assunção parou entre portas, ouvindo-as sem ser pressentido:– … Tenha o cuidado, Glória, de combinar as cores, de modo que umas façam ressaltar as outras… por exemplo, sempre que tiver flores escuras, como estas roxas, ponha-as ao lado de brancas ou amarelas… Refresque o musgo com água todos os dias… Não consinta na mesa de seu pai nenhuma falta… você já está uma mocinha… Hoje, por exemplo, ofereça-se para lhe descascar uma laranja, e assim procure servi-lo todos os dias… Não… essa maçã não fica bem aí… repare que é da mesma cor do pêssego… ponha-a antes aqui, entre esta camada de musgo…Assunção interrompeu-as:– D. Alice…Alice voltou-se. Estava pálida, com os olhos pisados de choro. Glória exclamou:– Ah! padre Assunção! estou muito triste.– Já sei; vai brincar um pouco, minha filha, preciso falar com a tua mestra…– Eu não sou mestra…– Assisti ainda a um trecho de lição!…– Conselhos… só…Glória, entretanto, sussurrava ao ouvido do padrinho:– Faça com que ela fique cá em casa, sim?! E saiu correndo.– Sabe o que a Glória me pediu?– Adivinho…– Recebi ontem uma carta do barão, dizendo-me que a senhora quer deixar esta casa…– Despediram-me.– Hein?!– Despediram-me.Assunção quedou-se atônito diante da moça.– Não se admire; os meus serviços deixaram de ser precisos, já sou demais aqui.– Mas…– Pressenti no senhor um amigo, e sei que me defenderá mais tarde. Isto já é uma compensação!Daqui a duas horas sairei desta casa…A voz tremeu-lhe, um rubor cobriu-lhe as faces, e concluiu:– Logo que tenha feito as contas com o dr. Argemiro…– Supus que a resolução tivesse sido sua, e por isso procurei-a em primeiro lugar, desejando convencê-la a mudar de idéia…– Enganou-se… Fui posta na rua, e se não fosse corajosa teria abandonado ontem mesmo o meu posto. Não quero que saiba pela minha boca o que se passou. Outros lho dirão. Só lhe peço uma coisa: afirmar que eu sou uma rapariga absolutamente honesta, se acaso ouvir qualquer alusão desairosa…– Não ouvirei; todos a consideram aqui e eu sei bem quem a senhora é. Estive em sua casa.– O senhor!– Mas não disse a ninguém. Descanse. Permita que a deixe, para ir falar à baronesa. Vejo que era a ela que eu me deveria dirigir primeiro… Em todo o caso, prometa-me não sair sem falar com o Argemiro.– É só por isso que eu espero.Assunção contemplou-a. Ela fizera-se de novo como um lacre.– Que tenciona dizer-lhe? – Prestar-lhe as minhas contas. Tenho tudo em ordem. É questão para vinte minutos… “Dizem-se num minuto mais de cem palavras”- pensou o padre consigo; “terão tempo deconversar!…”O Feliciano entrava e saía, remexendo nos talheres, abrindo e fechando gavetas, maciamente. Sentindo passos na escada, Alice fugiu para o interior. O padre voltou-se. Era o barão.O velho aproximou-se.– Então… como recebeu o homem a notícia?– Mal…– Hum… foi o diabo!…– A senhora baronesa?…– Oh, você sabe, minha mulher não pode tolerar a outra. Aquilo é uma doença. Doença que nem os médicos nem os padres curam… Esgotei todos os argumentos a favor desta pobre rapariga; afinal, compreendi que o melhor seria deixar correr a água ao sabor da corrente. Os fatos brutais resolvem às vezes questões delicadas melhormente do que palavras doces. Depois, esta situação é intolerável e não podia ser prolongada, sob pena de ver a minha mulher no hospício ou na sepultura… Sacrifício por sacrifício, mais vale o da moça… lá terá na própria mocidade consolação para os seus desgostos… se esse nome merece o dissabor do desemprego. Afinal, não devemos exagerar os fatos. Casas não faltam para essa espécie de serviço. Mais lamento eu o Argemiro, que vai voltar aos embaraços antigos logo que tornemos para a chácara… Veja você se conhece alguém nas condições de substituir esta moça… D. Sofia talvez possa indicar.– D. Alice é insubstituível.– Ora, ora! também você!– Eu, mais do que ninguém, posso afirmá-lo. Como sabe, Argemiro pediu-me que tomasse informações da governanta, logo que se decidiu a confiar-lhe a filha… A mim bastava-me vê-la e ouvi-la para perceber que a nossa Glória estava bem entregue… mas a missão era tão delicada, que insisti em levá-la até o fim, mais com o propósito de defender a pobre moça destes ataques previstos, do que por desconfiar dela. O caso ajudou-me. Um amigo de meu pai, o coronel Barredo, que tem a especialidade de saber a crônica de meio mundo, veio ao meu encontro, e por me ter visto a conversar com ela, desandou a falar a seu respeito, poupando-me o trabalho de uma inquirição, para que me faltava o jeito…– Isso seria vago…– Era positivo. O Barredo estava ao fato de tudo, conhecia té a fórmula do contrato entre Argemiro e d. Alice! Há desses homens extraordinários, cujas vistas perfuram paredes e desvendam mistérios… Ainda nós não sabemos do que se passa em nosso interior e já eles estão senhores do nosso segredo!– As informações que ele deu foram então…– Magníficas. Terei ocasião de repeti-las agora diante da sra. baronesa.– Pelo amor de Deus, não tente uma reconciliação! Seria recomeçar!– Não se tratará senão de uma reparação. Mas sempre os conheci justos e amigos do fazer bem.– Caridade bem entendida por nós mesmos é começada…– Não se fala agora de caridade, mas de justiça!– Dir-se-ia discutir-se a saída de um ministro de Estado!…– Esta é mais sensível e merece maior ponderação.– Enfim, o que está feito está feito. Parece-me que não vou gora pedir à menina que fique, pelo amor de Deus! Eu fiz muito dirigindo-me a ela e pedindo-lhe desculpa pela forma por que minha mulher a despediu…– Ah! e ela o que disse? – Gaguejou umas
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