12 de novembro de 2023

A Intrusa | Capítulo XV

Intolerável, o Feliciano, ao servir nessa tarde à mesa. Sem pronunciar uma única palavra e mais empertigado ainda que de costume nuns colarinhos que lhe roçavam as orelhas, percebia-se que no seu mutismo e seriedade ele sufocava de contentamento. Quando o olhar de Argemiro o lobrigava espigado aos cantos, esperando ordens, desviava-se com uma impressão esquisita e que não podia definir. Durante todo o jantar, desgostou-o a figura limpa e correta do negro, aproximando-se e afastando-se maciamente, conforme as exigências do serviço.Em frente de Argemiro o padre Assunção, encostando os ombros quadrados no alto espaldar da cadeira de couro, dilatava as narinas ao aroma das frescas rosas que alegravam a mesa.“Para tornar uma hora agradável basta às vezes bem pouca coisa…” – pensava ele consigo. “Uma toalha bem limpa… umas flores orvalhadas… esmaltes de louças reluzindo… e já os olhos e o olfato têm um repasto regalador… Amanhã, as coisas estarão de outra maneira, que é vezo de inimigos contradizerem-se em tudo. E então Argemiro confessará o que ainda pensa ignorar…”– Acredita, meu velho, estás hoje com a fisionomia diferente! Salvaste com certeza alguma alma do purgatório…– Talvez… mas talvez sejam também efeitos de um sonho que tive esta madrugada. Imagina: eu estava sentado a um órgão de uma catedral enorme, e de tão peregrina beleza, que nenhuma haverá assim sobre a terra… Por toda a vastidão do templo estendia-se uma luz pálida, de alvorecer ou de luar, desenhando nas naves os rendilhados das rosáceas e as figuras dos vitrais… Eu tocava músicas solenes e de tão concentrado, tão profundo sentimento, que as lágrimas me caíam dos olhos aos pares, quando acordei, e tenho andado todo o dia com a alma cheia de harmonias. Se eu fosse moço, teria corrido ao Instituto de Música a ver se tornaria um dia possível tal ventura… Por que hão de vir tão tarde semelhantes sonhos?!– Para que se não realizem.– É isso. Minha mãe, lembras-te? adorava a música e o piano poucos segredos teria para ela. Foi pena que não me tivesse transmitido essa prenda… A arte da música é perfeitamente compatível com o sacerdócio e eu teria uma válvula para as minhas febres…– Escreve…– A palavra é indiscreta e arrastaria o meu temperamento, que eu trago fechado à chave…– Nunca pensei que ele se submetesse a isso. És um forte, Assunção!– Nunca pensaste, por quê?!– Porque te conheço desde pequeno. No colégio ou em casa, foste sempre um rebelde. Não posso esquecer-me do dia em que minha mulher, nesta mesma sala, ali, naquele canto, me disse que tu ias tomar ordens.– Efetivamente, foi ela a primeira pessoa a quem confiei essa resolução! – Como eu protestasse, indignado contra a idéia (que sempre me foi muito desagradável), ela observou: Tu zangas-te! pois eu estimo… Ele será o meu confessor! – Tudo isso vai longe…– Para mim não. Parece-me que tudo se passou ontem… No meu sonho, esta madrugada, reviveram essas comoções… As imagens da catedral, todas de mármore branco, tinham, na opacidade da pedra, a expressão humana das criaturas que amei na minha adolescência e na minha mocidade… As melodias gloriosas que eu derramava pela vastidão do templo eram formadas pelas vozes delas, ressuscitadas miraculosamente naquelas endeixas sacras… Não eram só vozes humanas que eu reconhecia nas sonoridades da minha música, eram também outros sons que tenho sempre guardados no ouvido: o ranger da porta do seminário… o badalar do sino para a minha primeira missa… e o rugido das sedas de tua mulher no dia em que me foi fazer a primeira confissão… Nunca me esqueci… foi como um ruflar de asas… Pois a minha alma transportava essas impressões em largos cânticos, vendo as imagens extáticas todas voltadas para a chuva do meu pranto e sentindo a minha alma encher o mundo! Um sonho de artista genial, e em que eu gozei as alegrias fecundas da criação. Não te parece que sejam os artistas os homens mais felizes da Terra?– Tenho convivido pouco com eles, e como não me basta imaginar… Quem sabe? Olha, toma vinho. Creio que te basta o da missa…– Pouco mais Que é isso?!– Nada…Argemiro tivera um pequeno sobressalto involuntário, vendo a mão negra do Feliciano pegar na porcelana cor de leite do seu prato.– Nunca te aconteceu, ao ter qualquer impressão, sentir mau ou bom gosto na boca?– Nunca, respondeu o padre.– Pois agora foi como se eu tivesse tomado uma colher de sumo de limão!O olhar de Argemiro acompanhou o vulto do negro, que se dirigia para a copa. Assunção argumentou:– Está nas tuas mãos o remédio.– Despedi-lo?– Pois então?– Acabo por fazer isso mesmo. Realmente, não há nada como a ignorância para certa gente. Meu sogro fez de um moleque humilde, um homem ruim… Se em vez de o mandar para a escola, com bolsa a tiracolo e sapatinhos de botões, o deixassem na modéstia da cozinha ou da estrebaria, ele não teria agora nem a revolta da sua cor nem a da sua posição… O que o torna mau é a inveja e a sua ignorância mal desbastada.– Ele não é tão mau assim!– Defende-o agora!O Feliciano voltou com a sobremesa, um doce novo, desconhecido de ambos e que o copeiro não teve remédio senão confessar ter sido preparado por d. Alice, receoso de que ela o ouvisse por detrás das portas.Depois do café, ao entrarem os dois sozinhos para a biblioteca, Argemiro notou:– Foi o meu último dia de bem-estar. Reparaste? Nada faltou. É uma alegria, uma casa assim! E rara, eu sei, nas minhas condições, raríssima! Perfeita, a minha governanta! Se tem defeitos, nunca os deixa transparecer… Nem é possível que os tenha…– Estás doido! Ela é uma mulher como muitas; somente cuidadosa de não perder um emprego bem remunerado; mais nada.– A esta acusas!– Não. Esclareço-te. Jogaste uma cartada, foste feliz, dá-te por bem pago por estes largos meses de tranqüilidade. Supondo que tua sogra se incompatibilize com a d. Alice, acharás depois outra governanta nas mesmas condições. Esta é

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Tuhpanger | Episódio 07

Sobre a mesa ao lado da fonte de água da Aldeia Perdida, Maria Inês serve um bolo junto com pratos e talheres de metal. Todos os guerreiros e também Iara se reúnem ao redor da jovem portuguesa. O cheiro delicioso do bolo rouba a atenção de todos, a aparência dá a entender que o seu sabor deve ser divino. Decorado com fios de ovos e nozes por cima do chantili branquinho. — O que é esse doce? — perguntou Iara curiosa. — Um bolo. — respondeu Maria Inês sorrindo, orgulhosa de si mesa. — Um bolo? — perguntou Joaquim, o guerreiro vermelho. — Sim. — respondeu a guerreira amarela. — Vou participar de um programa de culinária na televisão e irei fazer essa receita, mas antes quis trazer para vocês provarem. — Ótimo! — disse Miguel, o guerreiro espiritual verde. — Vamos comer, eu adoro bolo. — Que sabor é esse? — perguntou Katarina, a guerreira azul. — Marta Rocha. — respondeu Maria Inês. — Marta Rocha… Eu gosto, apesar de ser muito doce. — disse Rafael, o guerreiro cor de rosa. — O que é isso, bolo? — perguntou o espírito indígena curiosa. — É uma sobremesa, Iara. — explicou Maria Inês. — Claro que você não deve conhecer porque se tornou protetora da aldeia anos antes da chegada do meu povo aqui. Bolo é uma mesa bem fofinha com recheio doce dentro, vou cortar um pedaço para cada um. Tenho certeza de que você vai gostar. Maria Inês corta as fatias de bolo e distribuí nos pratos, em seguida entrega cada um para os que estavam ali. Fica ansiosa esperando a resposta dos seus amigos. — Hmmm… — começou o guerreiro vermelho após comer o primeiro pedaço da sua fatia de bolo. — Esse programa que você vai participar, é uma competição? — Sim, por quê? — perguntei a guerreira amarela. — Porque com certeza você vai vencer! — responde Joaquim rindo. — Isso tá muito bom. — Sabe, normalmente eu não sou muito fã desse sabor, Maria, mas o seu está perfeito. — disse Katarina depois de comer a sua fatia inteira. — Eu quero até mais um pedaço. — Pode deixar… — a portuguesa pega o prato da amiga com a finalidade de lhe servir mais um pedaço. — Esse doce realmente é muito bom, parabéns pela sua culinária, Maria Inês. — disse Iara sorrindo também. — Já sei com quem vou encomendar o próximo bolo do meu aniversário. — disse Miguel enquanto comia. — Come de boca fechada, ó! — logo em seguida Rafael acertou um tapa na nuca do mais novo e depois levou seu olhar para a colega doceira. — Quando é esse programa que você vai participar? — Na verdade é hoje a tarde, daqui a pouco vou para a emissora. É uma competição em que cada episódio tem um vencedor. É para um programa vespertino, no programa A Tarde é Nossa da OnTV. — explicou a ranger amarela. — Entendi. Boa sorte. — disse o capoeirista. Mais tarde nesse mesmo dia, Maria Inês chega na sede da emissora OnTV onde participará do programa vespertino em um quadro de competição entre profissionais da cozinha. Ela é recebida pelos seguranças na porta onde a reconhecem pelo crachá que já havia sido feito alguns dias atrás. Juntos com os demais competidores, Maria Inês visita os estúdios da emissora. Ela fica encantada quando visita a gravação de uma novela chamada “Poeiras Estelares”. Maria Inês bateu palmas quando assistiu a cena de beijo do casal principal, mas parou quando o diretor pediu para ela ficar em silêncio. A guerreira do espírito do jacaré colocou o material que trouxe de casa e que usaria para fazer sua receita, eram seus utensílios da sorte. Sorriu olhando para eles, então, sua atenção foi chamada porque o diretor do programa iria explicar como funcionária o quadro naquele tarde. … Joaquim e Rafael treinavam na aldeia perdida, ambos sem camisa e já suados pelo tempo em que estavam presos naquilo. Se encontravam apenas eles ali até a chegada de Miguel com o uniforme da sua escola, o mais novo olhou para os lados e em seguida se aproximou dos mais velhos, porém não muito perto para não levar um golpe acidentalmente. — Onde está Katarina? — Ela foi buscar uma televisão para a gente assistir a Maria daqui. — respondeu Joaquim se esquivando de um golpe de Rafael. — Como vai ligar uma televisão aqui? — Com um gerador portátil. — respondeu Rafael que segurou o chute do guerreiro vermelho que estava vindo em sua direção. — Maneiro. — sorriu o líder e em seguida se recompôs. — Quer treinar, Miguel? — Não, não tenho certeza… — disse o Verde. — Vocês não me passam muito autocontrole quando estão treinando, prefiro treinar com as meninas porque elas sabem não passar dos limtes. — Você quem sabe. — disse o Rosa rindo. Katarina chegou carregando uma mini televisão, porém de um tamanho médio para uma minitelevisão, o gerador em outra. — Me ajudem aqui. — pediu a Azul. — Alguém coloca a televisão em cima da mesa para mim… Joaquim o fez, colocou a minitelevisão em cima da mesa. Então, Katarina arrumou tudo para eles poderem assistir a amiga durante sua aparição na TV. — Mas o sinal vai pegar aqui? — perguntou Miguel com um tom de descrença na voz. — A gente não tá, tipo, num lugar escondido da realidade? — só foi o adolescente terminar de falar que a televisão ligou com um perfeito sinal. — Ah, olha só parece que os sinais dos satélites chegam aqui. — Para de ser… Para de ser adolescente, Miguel, não precisamos saber como a televisão recebe sinal aqui, só precisamos ver a nossa amiga no seu momento especial. Miguel dá de ombros. — A gente vai ter que aguentar essa velha contar quantas fofocas antes da competição? — perguntou o guerreiro vermelho de braços cruzados. — Não faço ideia, mas logo

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